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“Nunca houve tanto fim como agora”.

Em sua vídeo-coluna, Irineu Franco Perpetuo fala sobre o último romance do escritor Evandro Affonso Ferreira, ‘Nunca Houve Tanto Fim Como Agora’. “O Evandro está fora das redes sociais, tem pavor da palavra facebook, mas mesmo ele andou sendo atingido por esse tsunami que vem varrendo o nosso país.”

No começo ele escreve assim: “Já havíamos nascido desprovidos do olhar do outro — infância despovoada, repleta de sortilégios malditos. Jeito era esgueirar-se entre os próprios escombros, lançar mão de cataplasma torpente cujo nome é alucinógeno, o ungidor de derrocadas. Infância apócrifa, igualmente fúnebre, transbordante de mortes deles, mondrongos, feito eu.”
Lá na frente, mais para o fim, ele diz o seguinte: “Nas contendas entre ranho e remela era sempre um terceiro que conquistava a supremacia. Ele, o relento. Aquele que desarranjava a nossa infância, ruía a nossa meninice, nos envelhecia prematuramente. Nunca entendi a liturgia do abandono. Vivíamos enrodilhados no desconsolo, encerrados na frieza do olhar da cidade, em sua rubrica implacável cujo nome era descaso. Confinava a farandula toda no cercado do desdém. Não conseguíamos decodificar a dialética financeira da metrópole. Non ducor, lucro. No combate diário mercantil entre eles, éramos nós que padecíamos.”
Quem escreveu isso foi Evandro Affonso Ferreira em seu último romance Nunca Houve Tanto Fim Como Agora.
Um romance que só poderia ser ambientado nessa nossa São Paulo desigual, um romance que fala dessa invisibilidade dos pobres, dos desabrigados em São Paulo. Um invisibilidade que talvez seja bastante antiga e histórica, mas que tem se tornado especialmente premente nesses nossos últimos anos higienistas de cidade linda.
Linda para mim é a prosa do Evandro, escritor mineiro de 73 anos de idade que foi publicitário, teve dois sebos que faliram gloriosamente. Estreou na literatura no ano 2000 com o livro de microcontos Grogotó. Fez alguns romances bastante premiados como Minha Mãe Se Matou Sem Dizer Adeus e O Mendigo Que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam.
O Evandro tem uma prosa bastante poética, a prosa que está sempre na fronteira da poesia em contato em burilar as frases, tem essa amargura esse pessimismo, essa melancolia, esse niilismo sempre em uma chave lírica e ao mesmo tempo bastante humor.
Por exemplo, o último livro do Evandro que não é um romance, lançado bem recentemente, se chama Epigramas Recheados de Cicuta é um livro que ele fez em parceria com o escritor Juliano Garcia Pessanha, é quase que um ping-pong de mordacidades, um humor no limite do desespero.
O que andou me surpreendendo no Evandro é que ele nunca foi alguém de responder imediatamente à conjuntura. O Evandro está fora das redes sociais, tem pavor da palavra facebook, mas mesmo ele andou sendo atingido por esse tsunami que vem varrendo o nosso país.
Muito recentemente, Evandro soltou um texto que mandou para os amigos e alguns deles reproduziram nas redes sociais. Eu vou tomar a liberdade, desculpe Evandro se você não gostou, mas eu vou divulgar aqui e agora.
O texto se chama “Fogos Artificiais”, Evandro Affonso Ferreira:
“Sábado, 07 de abril de 2018. 17h05. Ouço da janela de casa fogos artificiais. De repente, sou consumido pelo lume da tristeza, uma tristeza alheia a qualquer mistura. Incontaminada, diáfana.
Angústia advinda da possível morte da utopia. Da derrocada do triunfo do desvalido. Do atravancamento da perspectiva da bem-aventurança. O acostamento das estradas dos bem-sucedidos. Os acostamentos das rodovias dos privilegiados.
Fogos permanecem artificiais. Barulho, pesadelo tentando procurar atravancar meus sonhos utópicos imperecíveis. Morte de um pássaro não atravanca uma revoada. Não cultivo deuses, não cultivo heróis. Cultivo tristezas, coletânea de tristezas. Não gosto de quase tudo, não gosto de quase todos. Mas não gosto, sobretudo, de fogos artificiais”.
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