Brasil

Celso Amorim: o Brasil se presta ao papel de “segunda linha” da política americana de isolamento da Venezuela.

Subserviente aos EUA, o Brasil não recebe agradecimentos, mas reprimendas. Isso é típico dessas situações. Porque submissão leva sempre a mais submissão. Ela não traz, absolutamente, reconhecimento, como poderiam pensar alguns neoliberais.

Estou chegando aqui de uma homenagem ao nosso saudoso Marco Aurélio Garcia, em uma livraria aqui do centro de São Paulo. E isso, em função dos fatos que ocorreram essa semana, tanto no plano interno quanto no plano internacional do Brasil, nos faz refletir.

Com o Marco Aurélio Garcia auxiliando o presidente Lula, eu era ministro e tinha como um dos principais auxiliares o Samuel Pinheiro Guimarães. Com a inspiração e condução do presidente Lula, nós conseguimos fazer com que o Brasil fosse respeitado no mundo inteiro.

Algo que não sou eu, que poderia ser parcial, que estou dizendo. É o que as outras pessoas dizem. Há pouco tempo eu estive na França e ouvi esse comentário da parte do Dominique de Villepin, um ministro do Exterior da França, da época do Chirac. Não é sequer um homem de esquerda, propriamente, mas sim, um homem que prezava a multipolaridade e que vê a falta que o Brasil faz.

E a gente vê hoje todas essas… É difícil definir, eu não quero nem usar adjetivos, mas todos esses fatos que têm ocorrido em relação ao recursos com o presidente Lula…

A dificuldade para o povo e para as outras pessoas compreenderem por que em alguns caso vale a ideia de que a condenação em segunda instância não é definitiva. Vale para uns e para outros não vale.

É inexplicável, uma coisa impossível de explicar fora do Brasil. Eu vim da Argentina também, passei dois dias lá. Pude ver, emocionado, a grande dedicação dos nossos companheiros argentinos a essa campanha do Lula Livre, Lula candidato. Porque eles entendem que não é só o Brasil que está em jogo. É todo a América Latina, toda a América do Sul que está em jogo.

Obviamente, nós teremos as eleições no México, será um fato muito importante. O que ocorre no Brasil é muito importante para o conjunto da América do Sul, e essa percepção existe lá de maneira muito clara. Não só em relação à própria Argentina, mas em relação à América do Sul.

Eu vejo também, com tristeza, a maneira como o Brasil se comporta. Teve agora essa visita do vice-presidente dos Estados Unidos. Primeiro, ele é tratado como se ele fosse o presidente. Coisa que não se fazia dessa maneira. Podia-se conceder uma audiência…

Segundo, porque o Brasil se presta ao papel de ser uma espécie de segunda linha da política americana de isolamento da Venezuela. Coisa que o Brasil não fazia desde o começo do governo militar. E, apesar dessa posição de subserviência, em vez de receber agradecimento, recebe reprimendas porque deveria fazer mais.

Mas, é típico dessas situações de submissão. Porque submissão leva sempre a mais submissão. Ela não traz, absolutamente, reconhecimento como poderiam pensar alguns neoliberais, que os americanos fossem abrir o mercado deles para nós por causa disso. Ao contrário, traz mais pressões, porque eles vêem que nós somos fracos. Fraqueza que, aliás, advém da falta de legitimidade.

Então é uma coisa muito triste. E triste também que tenham levado o vice-presidente dos EUA para ver um abrigo de refugiados em Manaus. O que eles têm a ver com isso? Se fosse a Cruz Vermelha internacional que viesse prestar ajuda, tudo bem. Mas esse assunto de refugiados da Venezuela?

Nós não estamos falando de um país qualquer. Estamos falando dos Estados Unidos, cujo secretário de Estado, o anterior e o atual, e atualmente o vice-presidente, querem sanções contra a Venezuela.

Então, não estamos falando de um país neutro, que está apenas interessado na questão humanitária. Não é verdade. Eles estão interessados na situação geopolítica.

Não precisa ser um governo de esquerda. Eu fui chanceler do governo Itamar Franco, quando houve um problema perto da fronteira com a Venezuela com os Ianomâmis. O cônsul americano em Manaus quis entrar no problema. Eu era ministro interino, nem era ainda ministro, e me ligaram: um cônsul americano ia entrar no helicóptero para ir ver a situação e eu disse: “Tira do helicóptero, isso é uma questão brasileira”. Um venezuelano, porque era na fronteira, até podia admitir. Mas não tinha por que entrar um norte-americano.

Então eu vejo essas ações de subserviência, de subalternidade com muita tristeza. E em um dia como hoje, que prestamos uma homenagem ao Marco Aurélio Garcia, que foi partícipe dessa política externa ativa e altiva, isso dói muito.

Mas a gente nunca pode perder a esperança, porque nós já vivemos ocasiões muito difíceis, muito ruins e ao final nós saímos dela.

Creio também que com a nossa luta, com a nossa convicção de sabermos que estamos lutando não só por uma pessoa ou um nome ou um partido, nós estamos lutando pela democracia no Brasil, é que nós acabaremos conseguindo o que é necessário. Ou seja: eleições realmente livres e eleições com a participação de todos, inclusive do presidente Lula, porque ele é o candidato preferido do povo brasileiro.

Isso também é algo que ninguém entende: como é que o Mandela brasileiro, como outras pessoas frequentemente nos dizem, é privado de participar das eleições?

Foi uma semana conturbada, cheia de emoções. Claro que recordar o Marco Aurélio Garcia traz seus momentos de alegria, porque a gente lembra a grande contribuição que ele deu, da sua característica de pessoa inteligente, grande analista. Mas traz também esses momentos de tristeza com o que tem ocorrido aqui nos últimos tempos.

Mas não vamos perder a esperança.

 

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  1. Avatar
    José Eduardo Garcia de Souza says:

    Desculpem, mas onde está a tal “reprimenda” que Celso Amorim menciona neste artigo? Se bem me lembro, Temer e Aloysio Nunes deixaram bem claro a Pence, na hora, sem rodeios e publicamente, que o Brasil não alinhará em políticas de sanções à Venezuela como postulado por ele. Pelo que, se Pence queria que “o Brasil fizesse mais”, não levou. E se foi “reprimenda”, saiu pela culatra, já que ficou mais do que claro que Pence foi repreendido por meter-se em assuntos de economia doméstica brasileira, e ponto. Esta mania de inventar o que não existe retira credibilidade à esquerda. E, de uma vez por todas, já está mais do que na hora de aceitar que, devido à Lei da Ficha Limpa e quer se goste ou não, Lula é inelegível.

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