Brasil

O Brasil de Temer muda o perfil do trabalhador e leva a economia a um estágio semicolonial.

*Por Antonio Gonzaga, jornalista
A história registra que os momentos de grandes crises sociais estimulam os debates e as formulações políticas. Os exemplos são vários. Marx e Engels se debruçaram sobre a Comuna de Paris, cujo clímax foi em 1871, e perceberam a importância do movimento – apesar da derrota dos operários e estudantes, que não tinham como resistir ao poder armado do exército francês. Os dois pensadores revolucionários alemães viram no levante de Paris uma experiência histórica de enorme importância, um passo à frente na revolução proletária universal e uma tentativa prática, mais importante do que centenas de programas e argumentos.
Outro exemplo ocorreu em 1905, quando o padre ortodoxo Gapone levou milhares de pobres de São Petersburgo, para um respeitoso movimento, no qual eles criticavam os ministros do czar, mas confiavam no monarca. A violenta reação da guarda do czar fez com que, em poucos meses, as coisas mudassem completamente. O movimento passou ao comando dos socialdemocratas revolucionários, e esses passaram “subitamente” de poucas centenas de simpatizantes, a milhares, que se tornaram líderes de dois a três milhões de proletários.
O soviete de 1905 também foi derrotado, como é história. Entretanto, como ocorrera antes, em decorrência da Comuna de Paris, os episódios de 1905 geraram um intenso debate, que contribuiu para fazer avançar o pensamento socialista e lançaram os fundamentos teóricos e práticos para a revolução de 1917. Talvez, sem 1905 não ocorreria 1917.
Esse mesmo padrão ocorreu em outros momentos da história, levando à revolução ou a avanços pontuais no processo civilizatório e social. Maio de 1968, as lutas contra a Guerra do Vietnã, o movimento contra a ditadura militar no Brasil, entre outros; todos são episódios da história marcados por intensos debates, que proporcionam o avanço da compreensão da realidade e o estabelecimento de novas estratégias.

Indústria perde importância

No Brasil; nesse momento de crise política profunda, que na prática aboliu a democracia e as regras políticas anteriormente praticadas; o debate também voltou a ser valorizado. São ricas as discussões nas universidades, nos movimentos sociais e nos fóruns públicos que passaram a existir a partir dos portais e blogs independentes.
Um exemplo ocorreu no 6º Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais, que ocorreu em São Paulo, nos dias 25 e 26 de maio último. Na abertura do encontro, o economista Marcio Pochmann, professor da UNICAMP apresentou interessantes dados para o debate.
São informações impressionantes, colhidas em pesquisas feitas por estudiosos da UNICAMP e de outras universidades brasileiras, que alertam para uma profunda mudança no perfil do trabalhador.
Um exemplo: a indústria, nos anos 80, correspondia a mais de 40% da economia. Hoje não chega a 10%. Isso determina um novo perfil de capitalistas, mas também de trabalhadores.
Não há mais um exército de 5 a 10 (até mais) mil operários concentrados em uma fábrica do ABC, com uma clara percepção da hierarquia e da distinção entre capital e trabalho, como havia na há quatro décadas.
As fábricas estão robotizadas e, pior, elas não produzem mais. Dedicam-se a montar e maquiar produtos que provenientes de fora.
Antigamente parte da elite intelectual brasileira se vangloriava da distinção entre as indústrias do Brasil e do México. Diziam que aqui havia um verdadeiro parque produtivo, enquanto no vizinho imediato dos Estados Unidos estavam instaladas apenas “maquiadoras” de produtos importados. Pois bem, ao que parece, as fábricas nacionais foram transformadas em maquiadoras.
O número de trabalhadores, consequentemente é muito menor. Não dá mais para fazer aquelas greves, com dezenas de milhares de trabalhadores, como as que Lula comandou no final dos anos 90.
Mas não é só isso. Os trabalhadores estão migrando para outras atividades, principalmente o comércio.
Segundo Pochmann, na década de 80 havia um Ermírio de Moraes, ou o Mindlin, da Metal Leve, comandantes de indústrias de tecnologia avançada. Hoje o homem mais rico do Brasil, Jorge Paulo Lemann, tem no centro de seu negócio uma cervejaria, que produz a partir de uma tecnologia dominada pela humanidade há mais de 2000 anos.
Conforme a percepção do pesquisador, Lemann não é um industrial clássico, mas sim um comerciante, que atua na parte de baixo da escala de valores da economia mundial. Sua contribuição ao país, portanto, em termos econômicos, tecnológicos ou desenvolvimentistas é nula.
Segundo os dados das pesquisas a economia brasileira é dominada pelo agronegócio exportador, uma atividade semicolonial e o comércio.
São Paulo, capital, tem 56 shoppings, onde trabalham mais de 30% da mão de obra da cidade. Esses trabalhadores não estão concentrados na mesma linha de montagem, como ocorria nas fábricas do ABC, nos anos 80, mas pulverizados em milhares de lojas nesses locais.
Nessa arquitetura econômica, a proximidade dos empregados com os patrões é muito maior e há dificuldade de perceber a diferença entre capital e trabalho.
Outra fonte de trabalho que se verifica em São Paulo (e no Brasil), segundo as pesquisas, é o atendimento aos mais ricos. Uma família de classe média alta paulistana tem entre cinco a dez prestadores de serviços, que vão da empregada, manicure, motorista, babá, até o personal trainer. Os grupos focais dos estudos em profundidade indicam que essas pessoas odeiam os ricos, mas estão convictos de que precisam dos ricos para viver.

Redes de solidariedade e novas formas de organização

Os estudos revelam que já está em estágio avançado o surgimento de uma nova realidade. Trata-se de um mundo em que, além dos movimentos, como o MST ou MTST, quem está tendo sucesso na organização da sociedade são as igrejas evangélicas e o PCC. Ambos estruturam seus avanços, principalmente, na montagem de redes inclusão social das pessoas que sensibilizam. Ou seja, muitos jovens se aproximam do PCC, porque participando da organização vão pertencer a uma espécie de clã, no qual terão proteção física, social, econômica e afetiva não só para si, como também para as suas famílias. O mesmo ocorre nas igrejas evangélicas. Ao se converterem os fiéis passam a pertencer a um tipo de grande família, que ajuda essas pessoas a conseguirem trabalho, ajuda financeira nos momentos difíceis e a enfrentar as dificuldades da vida.
O momento é difícil, mas também é rico. O mundo está mudando e há muito para se pensar.

O Brasil corre perigo

A desindustrialização do país está no cerne de muitas derrapagens sociais e civilizatórias, que são observadas atualmente no Brasil, assim como em outros países semelhantes, como o México.
Todavia, o modelo a ser observado de perto é a Argentina. O caminho para o qual segue o Brasil foi objeto de reflexão do grande pesquisador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, no livro “Brasil, Argentina e Estados Unidos, da Tríplice Aliança ao MERCOSUL”.
Conforme Moniz Bandeira, depois da invenção do navio frigorífico, a Argentina se transformou no principal fornecedor de alimentos para o Reino Unido, exportando carne e cereais. Os portenhos vendiam seus produtos, em um primeiro momento em Libras esterlinas, a moeda de referência da época. Com forte reserva da moeda britânica, os exportadores e importadores argentinos, que compravam dos latifundiários e vendiam aos ingleses, adquiriam e comercializavam manufaturados fabricados no Reino Unido.
A balança comercial era positiva, assegurava a prosperidade e, entre 1880 e 1910, a população de Buenos Aires passou de 300 mil pessoas, para um milhão e meio de habitantes.
Com a primeira Guerra Mundial, a Argentina aumentou suas exportações. Porém, não havia como importar, pois as fábricas britânicas, de outros países europeus e também as dos Estados Unidos se concentraram no esforço bélico.
Parte da elite argentina – especialmente os imigrantes italianos, mais envolvidos no comércio de exportação e importação – utilizou sua grande reserva financeira acumulada, para investir na industrialização do país.
O setor industrial argentino prosperou, até ter a proeminência econômica e política no país, sendo ainda favorecido pela descoberta de importantes reservas de petróleo na Argentina.
O processo de hegemonia do setor industrial na Argentina, associado ao peronismo, seguiu sem abalos até o final da Segunda Guerra.
Moniz Bandeira registra que os portenhos se mantiveram afastados do conflito, não somente pela simpatia dos militares argentinos pelos regimes autoritários europeus, como se costuma registrar na história, mas também por manobras dos próprios britânicos, que não queriam ver sua principal fonte de alimentos ameaçada pelos submarinos alemães. A ambiguidade dos militares argentinos protegeu seus navios dos submarinos germânicos.
Durante toda a guerra as exportações de alimentos da Argentina continuaram e, ao final do conflito, o país se tornou um dos mais ricos do mundo.
Na segunda metade da década de 1940, o mundo já via a Argentina como uma quase potência mundial. Nessa época, Perón colocou seu governo em movimento para posicionar o país entre os grandes do planeta, investindo em pesquisas de ponta, como tecnologia nuclear e aeroespacial. O jato de combate mais moderno do imediato pós-guerra foi o Púcara argentino, desenvolvido por uma equipe alemã. Esse aparelho, do qual foram construídos dois protótipos, inspirou aparelhos semelhantes dos EUA e da URSS, que lutaram nos céus da península coreana. Se Perón tivesse continuado no poder, é provável que a Argentina explodisse a sua bomba atômica antes do Reino Unido e da França.
Porém, o mundo havia mudado no pós-guerra e o Reino Unido não tinha mais a força econômica necessária, para manter aquele arranjo econômico simbiótico com a Argentina, que favorecia as duas partes.
A mudança na conjuntura mundial, que veio a afetar duramente a economia argentina; a falta de planejamento de longo prazo do governo peronista; e os gastos excessivos no projeto de transformar o país em potência mundial, começaram a gerar a tempestade perfeita, que derrubou Perón.
O setor agrário, que havia perdido espaço político com o crescimento do setor industrial, apoiou fortemente a deposição de Perón.
Nos novos governos que assumiram o país, a partir de meados dos anos 1950, o setor agrário passou a ter influência econômica e política cada vez maior, em detrimento do setor industrial. A Argentina viveu uma longa e amarga desindustrialização.
A hegemonia agrária levou a economia Argentina, que chegou a ser uma das mais prósperas e vigorosas do mundo a um persistente declínio, até a situação de quase irrelevância dos dias de hoje.
Evidentemente existem outras questões nessa equação, que não vêm ao caso colocar aqui nesse momento. O importante a observar é que ao fazer a opção econômica pela hegemonia do setor agrário, a Argentina perdeu seu rumo na história. Esse parece ser o destino do Brasil.
Em tempo: enquanto Brasil e Argentina escolhem o suicídio da desindustrialização, como norma de suas economias, a elite da costa nordeste dos Estados Unidos (que é a elite da elite estadunidense) propõe a reindustrialização de seu país.
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