América⠀Latina

Em matéria de Direitos Humanos a Argentina consegue o prodígio de estar pior que o Brasil.

Imagens: José Eduardo Pachá
 
Por Eric Nepomuceno
 
Assunto aqui no Brasil, pra variar, é o que não falta. Agora a gente tem, por exemplo, essa briga do Janot com o Gilmar Mendes. Rodrigo Janot diz que o Gilmar Mendes não podia ter libertado o Eike Batista, embora a lei diga que sim, podia, porque a mulher do Gilmar Mendes trabalha no escritório do Sérgio Bermudes, um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil, deve ter lá uns cem, duzentos advogados.
 
Acontece que o escritório do Sérgio Bermudes é de advocacia cível e não criminal. Mas aí o Rodrigo diz o seguinte: como o Eike paga para o escritório do Sérgio Bermudes e a mulher do Gilmar Mendes recebe do escritório do Sérgio Bermudes o Eike indiretamente paga para a mulher do Gilmar Mendes. É um exercício e tanto.
 
E aí, um dia depois, o que a gente fica sabendo? Que a filha do Rodrigo Janot trabalha pro escritório que defende os direitos da Odebrecht, da OAS e da Petrobras. Quer dizer: é um negócio maluco, o acusador vira acusado em triplo.
 
Tem também a obsessão, que já acho que é um caso de terapia intensiva, do juiz de província auto erigido o justiceiro contra o Lula. É uma coisa espetacular, quer dizer, os advogados do Lula, eu conheço alguns deles, são bastante competentes, seríssimos, se mostraram incompetentes para ler mais ou menos cem mil folhas de papel impresso não numerados, em ordem não sequencial em quatro dias. Caramba, que incompetentes. E que equilibrado o juiz Sérgio Moro. É sem fim, é um problema sem fim.
 
Mas, nós não vamos falar de Brasil hoje não. Nós vamos falar da Argentina de Maurício Macri. Eu já disse aqui várias vezes, escrevi, das semelhanças entre Michel Temer e Maurício Macri, com a diferença fundamental, evidente que o Macri foi eleito. É um presidente nefasto, porém legítimo. O Temer só é nefasto. Entre as muitas semelhanças dos dois governos está a imensa capacidade de avançar rapidamente para trás. Retrocedem numa velocidade exemplar. Outra semelhança é o novo conceito daquilo que em meu tempo a gente aprendeu na escola que a ilha é uma porção de terra cercada de água por todos os lados. Temer e Macri são uma porção de corrupção cercada de corruptos por todos os lados.
 
Porém, dessa vez a Argentina penetrou num território brutal, perverso. A questão dos direitos humanos. A Argentina foi, da América Latina, o país que mais avançou na recuperação da memória e no castigo aos genocidas. O governo do Macri começou pondo em discussão o número de vítimas assassinados e desaparecidos da última ditadura militar argentina. Já era um começo duvidoso, depois foi desmantelando as estruturas dos organismos de direitos humanos, de resgate, recuperação e defesa e da memória.
 
Pois agora a Suprema Corte da Argentina decidiu inovar, ou seja, ao exemplo do que acontece no Brasil, reformar o que, a exemplo do que acontece no Brasil, quer dizer retroceder. Decidiu que os presos – os militares, torturadores, violadores, sequestradores, ladrões, assassinos julgados e condenados – podem ser postos em liberdade usando o mesmo critério para crimes de lesa humanidade, para crimes extremos, que para os crimes comuns.
 
Ou seja, para cada dois anos de condena um é descontado. Isso quer dizer que aquela justiça exemplar na América Latina e no mundo, que soube punir com toda a severidade da lei, vai ser desmantelada. Isso é um ultraje à memória.
Eu recebi ainda hoje um e-mail de Adolfo Pérez Esquivel, Dom Adolfo, Prêmio Nobel da Paz, absolutamente mais do que escandalizado, mais do que indignado, entristecido com esse retrocesso.
 
No Brasil a gente não tem esse problema porque aqui a nossa Suprema Corte foi tão covarde que fez validar aquela obscena lei da anistia imposta pelos militares no fim da ditadura. Agora, isto pra Argentina, eu morei anos na Argentina, eu tenho irmãos na Argentina, irmãos da alma, eu tive amigos sequestrados, amigos mortos, amigos torturados, amigos assassinados, filhos de amigos assassinados, é impossível se conformar com isso.
 
Nisso a Argentina está pior que o Brasil. Porque o Brasil pior do que estava não pode estar. São dias de horror.
 

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