Brasil

A Roda-Viva da comunicação pública quase morta

Essa patética edição do Roda-Viva foi mais uma prova do crime continuado contra a comunicação pública brasileira, que a pior direita vem cometendo há tempos e que ganhou forte empuxo desde o golpe institucional de 2016.

Bastaram noventa minutos, na segunda-feira, 25 de junho, para demolir o que parecia ser um sincero esforço da TV Cultura de São Paulo, em recuperar a dignidade perdida do seu jornalismo.

Desde abril, quando trocou o editor e apresentador do programa Roda-Viva, carro-chefe da sua programação, a emissora pública paulista parecia empenhada em conter a hidrofobia ultradireitista que a contaminou, assim como a boa parte da mídia comercial brasileira.

Esse empenho foi saudado aqui nesta coluna, em 11 de maio, na minha avidez por ver renascer o jornalismo responsável onde ele agoniza.

Mas foi uma imprudência, porque era tudo mentira. Fake news publicitária.

O Roda-Viva com a deputada Manuela D’Avila, candidata do Partido Comunista do Brasil a presidente da República, não foi apenas um constrangedor espetáculo de misoginia, autoritarismo e boçalidade macarthista.

Não foi apenas um pesadelo surreal com um mundo extinto, assombrado por um fantasmático Stálin que morreu há 66 anos, sem qualquer preocupação – fora a da valente candidata – de debater alternativas para o presente e o futuro do Brasil.

Essa patética edição do Roda-Viva foi mais uma prova do crime continuado contra a comunicação pública brasileira, que a pior direita vem cometendo há tempos e que ganhou forte empuxo desde o golpe institucional de 2016.

A luta contra o aparelhamento político dos meios públicos de informação é um quixotismo de décadas, suprapartidário, que mobiliza pessoas de responsabilidade e boa vontade, à esquerda e à direita.

Com muito sacrifício, ela conseguiu obstruir o moinho massacrante do poder, que detesta polifonia de vozes, e estabeleceu uma clara distinção entre mídia estatal de divulgação de governo e mídia pública de comunicação democrática, aberta a todas as visões políticas e ideológicas.

A TV Cultura já foi a ponta de lança nessa batalha. Mesmo sob governos tucanos e com gestores tucanos, que tiveram a visão correta do papel de uma televisão pública – necessariamente plural, equilibrado e isento.

Mas veio a onda neoconservadora e, desde o Governo José Serra, não foi mais possível resistir.

A TV Cultura foi tragada pelo reacionarismo de ultradireita e o equilíbrio editorial foi suprimido. A instrumentalização política da emissora tornou-se total.

Fui vítima direta dele. Fui afastado da direção de jornalismo da casa em 2010, uma semana depois de assumir, porque ousei autorizar uma reportagem sobre o aumento das tarifas de pedágio nas estradas estaduais – assunto de evidente interesse público.

O vice-presidente que me afastou argumentou “quebra de confiança”. Seria um argumento sem sentido, incompreensível, se a área de transportes, com suas obras e concessões milionárias, não fosse a principal suspeita de funcionar como caixa dois eleitoral dos tucanos paulistas.

Não é por acaso, certamente, que um ex-secretário estadual de transportes, de governo do PSDB, está preso neste momento, acusado de desvio de verbas nas obras do Rodoanel.

É assim que funciona a antidemocracia, na gestão da mídia pública. Censurando tudo que a comprometa e orientando o noticiário para os seus interesses.

E é assim que irá funcionar enquanto a cidadania não acordar e defender o seu patrimônio.

Porque a mídia pública, que é paga pelo imposto de todos, deve servir a todos.

Deve servir ao debate, à convivência democrática e ao progresso coletivo, não à manipulação e ao controle social.

E só para esclarecer bem as responsabilidades, a TV Cultura é agora financiada por um governo que não é mais tucano. É o governo de Marcio França, do Partido Socialista Brasileiro.

O governador e o PSB têm o dever de exigir a mudança de rumo da emissora, em nome dos contribuintes.

A menos que entendam, como a anta bolsonarista convidada a tomar o tempo de Manuela D’Avila, que o nazismo e socialismo são a mesma coisa.

E que a boa comunicação é aquela que cala a boca dos divergentes, em vez de lhes dar vez e voz.

Toda solidariedade a Manuela D’Avila. Democracia e jornalismo na TV Cultura.

Notícias relacionadas

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *