Cultura

No país dos golpes, O Rei da Vela de Oswald continua pertinente e atual

“Acenda todas as velas! Economia em regressão. As grandes empresas estão voltando à tração animal! Estamos ficando um país modesto. De carroça e vela! Também já hipotecamos tudo ao estrangeiro, até a paisagem! Era o país mais lindo do mundo. Não tem agora uma nuvem desonerada… Mas não irá ao suicídio… Isso é para mim.”

Esse trecho que eu acabei de ler, eu não tirei de nenhum blog sujo na semana passada. Isso é um trecho da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, do protagonista Abelardo I.
É impressionante como Oswald parece responder ao calor da hora. Li isso aqui, talvez por ter uma mente muito malvada, eu não tive como não me lembrar desse cavaleiro da triste figura do neoliberalismo brasileiro, o Pedro Parente que chefiou justamente o Ministério do apagão do governo Fernando Henrique, gerenciando aquela crise energética quando o Brasil inteiro estava de vela na mão.

E agora estava presidindo a Petrobras durante os nossos paros, na época justamente que a gente estava quase na base da carroça.

O Rei da Vela é um texto do Oswald que fala da ascensão de um capitalista brasileiro em termos bastante marxistas. Então, a gente lê isso aqui tem uma coisa que parece um pouco panfletária, um pouco datada, tem um toque homofóbico que para mim incomoda bastante. Mas em um texto que tem mais de oitenta anos o que impressiona não é uma ou outra passagem pontual que tenha envelhecido, mas o quanto dele permanece pertinente e atual.

Talvez porque Oswald escreveu isso de jeito que parecia fadado esse texto ressoar nos momentos de ruptura da ordem democrática do Brasil. Como é que é isso?

Escreveu em 1933, mas só publicou em 1937. Justamente o ano do golpe do Estado Novo. Aí esse texto ficou como um peça escrita e foi ser encenada pela primeira vez em 1967 pelo Teatro Oficina. Uma encenação icônica que mudou a história do Teatro Oficina, mudou a história do teatro brasileiro e da nossa cultura. Porque teve uns baianos que foram assistir essa peça e ela foi o germe do movimento tropicalista de Gil e Caetano.

E quando? 1967, três anos depois do golpe de 1964 e um ano antes do golpe dentro do golpe, o AI-5.

Essa peça foi reencenada pelo Oficina justamente dentro das comemorações dos 50 anos dessa encenação icônica em 2017. Logo depois do golpe de 2016. Aliás, Zé Celso Martinez Corrêa reescreveu de uma maneira bastante irônica.

Agora nos 50 anos do Rei da Vela, sincrônico aos da Tropicália, parece que o golpe de 2016 foi dado para ser o cenário dessa nossa nova encenação. Que luxo!

Na crítica que fez dessa nova encenação, Mario Vitor Santos disse: “se Oswald anunciava esse Rei da Vela o primeiro texto socialista do teatro nacional, a encenação do Oficina se apresenta a primeira a encarar Temer, o golpe e seus beneficiários”.

Justamente por ocasião desses 50 anos dessa encenação icônica do Rei da Vela houve uma reedição do texto, Companhia da Letras, que traz um texto de época muito saboroso do Décio de Almeida Prado com toda a erudição e clareza dele. Mais textos recentes de Renato Borghi e Zé Celso Martinez Corrêa.

E aqui eu recomendo muito a leitura desse livro porque, parafraseando Mario Monicelli, eu diria que enquanto a gente estiver na mão de parentes e de serpentes Oswald de Andrade está fadado a continuar atual.

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