Brasil

Uma proposta de ação para os tempos que estamos vivendo no Brasil

Por Chico Whitaker (*)
Fica cada vez mais evidente a necessidade de se criar uma Frente Política, ampla e diversa, para enfrentar o poder dos que não querem um Brasil igualitário. A prisão de Lula nos convenceu de que chegou a hora da unidade. Só com nossa união – com Lula livre no lugar que nela lhe cabe – conseguiremos re-inverter, a favor do povo, os resultados dessa luta secular.
Mas pode vir a demorar demais a definição do programa e do funcionamento dessa Frente, a decisão sobre a composição de sua primeira fila, a escolha do nível de radicalidade de suas palavras de ordem. A discussão será necessariamente longa, ainda mais se for contaminada pela disputa eleitoral. Corremos o risco da fragmentação voltar a ser natural e se diluir a decisão de nos unirmos. Apesar de toda a comoção do momento, passadas algumas semanas da brutal execução de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que mostrou a assustadora violência a que pode chegar a luta política, já se grita menos contra a impunidade. É a condição humana.
Os movimentos e partidos seguramente continuarão a exigir a identificação dos matadores de Marielle e dos mandantes do crime e a manter sua mobilização pela superação dos três desafios urgentes atuais: que Lula não seja mantido no isolamento de uma cela dita “de Estado Maior”, sem janela aberta para o exterior; que o STF respeite de fato o princípio universal da presunção de inocência enunciado na Constituição; que seja anulada a sentença que condenou Lula sem provas mas com base em convicções.
Mas os que, como eu, não pertencem a essas organizações não podem ficar imobilizados, aguardando passivamente novas estruturas de ação. Precisamos nos juntar aos militantes dos partidos e movimentos com que simpatizamos, apoiando suas propostas. Mais do que isso, precisamos começar a agir por nossa própria iniciativa. Informando-nos através das redes sociais e dos meios de comunicação alternativos – cuidando para não sermos manipulados pelos fakes que se multiplicam – podemos, com criatividade e responsabilidade, inventar ou reinventar modos de participar dessa luta.
Muita gente diz também que é hora do povo ir para a rua. Mas isto também dizem os que ganharam a batalha da prisão de Lula. Ora, nas manifestações outro risco nos espreita: o do crescimento da violência, pelo ódio contra Lula e contra todos nós. Há até quem levante a possibilidade do país se dividir sem retorno.
Existem no entanto muitos modos de ir para a rua. Um deles é o de buscar o diálogo sobre o que realmente se passa e sobre a sociedade fraterna que queremos construir, no contato respeitoso pessoa a pessoa, com os vizinhos da rua ou do prédio onde se mora, com os colegas nos locais de trabalho, com quem conhecemos no bairro e na cidade. E com os próprios familiares: nos dias que vivemos até mesmo dentro das famílias se tomam posições que podem se tornar irreconciliáveis.
Ideias sobre como fazer isso estão começando a surgir, como a dos que se sentaram com uma mesinha num lugar de movimento de São Paulo e propuseram aos que passavam, num dialogo cuidadoso e surpreendente, que escrevessem cartas a Lula em sua prisão… Bastou conversar sem rancores, sem se irritar com os que destilavam raiva como muitos o fazem nas redes sociais, para numa só tarde dezenas de cartas serem encaminhadas para Curitiba.
Outra ideia é a de criar Comitês por Justiça, Igualdade e Paz – Lula Livre! que promovam reuniões abertas em que se desmintam informações distorcidas e manipuladas e em que possamos nos apoiar mutuamente para saber mais, entender melhor o que se passa. E discutir como dar força à ação dos partidos e movimentos – e da Frente Política em construção – para libertar Lula e o país voltar a respeitar a Constituição. Mais para diante até poderemos discutir os nomes em quem votar para o Congresso, onde uma renovação radical é necessária. E possível, pelo voto.
Conseguiríamos criar CJIPs ou outros Comitês desse tipo em cada cidade, em cada bairro, em cada local de trabalho, em cada casa? Talvez os fatos estejam nos convidando a fazer nascer no Brasil um imenso movimento social auto-organizado, autônomo, horizontal, articulado em redes, unitário e diverso, a partir da base da sociedade, sem esperar nem depender de ordens e convocações, apoiado nos milhões de Lulas que existem e podem ser despertados nos corações dos brasileiros. Talvez nos surpreendamos com o crescimento irresistível de um movimento social desse tipo, de baixo para cima, até que cheguemos ao país de justiça, igualdade e paz com que Lula e todos nós sonhamos.
12 de abril de 2018
(*) Chico Whitaker é cofundador do Fórum Social Mundial, é membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares

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