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A luta para banir o amianto no Brasil

São muitas as substâncias tóxicas presentes na indústria. Por que banir justamente o amianto? Esta é uma das perguntas que mais responde Fernanda Giannasi, engenheira civil e fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA). “Ele atinge indistintamente quem trabalhou e quem não trabalhou. Ele atinge uma população que não foi exposta voluntariamente e que recebe uma carga dessas fibras porque o produto está se desfazendo”, disse, em entrevista ao Nocaute.
Mais de 107 mil trabalhadores morrem por ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). As doenças mais comuns associadas ao amianto são a asbestose e o mesotelioma, dois tipos de câncer.
Segundo a ABREA, a tendência mundial é banir o amianto – 75 países já decidiram pelo banimento – mas o Brasil vai na direção contrária.
Em sete estados e em dezenas de municípios brasileiros, há leis que vetam o amianto. A briga é  com a Eternit. Maior fabricante de telhas e caixas d’água de fibrocimento do mercado nacional, a companhia tenta junto ao Supremo Tribunal Federal tornar inconstitucionais as legislações regionais sobre o assunto.
Assista abaixo à reportagem do Nocaute:

Vou fazer 80 anos, agora em novembro, tenho 79 anos e trabalhei dois períodos na fábrica da Eternit. É uma firma de fibrocimento, fazia caixa da água, fazia canaleta e telhas.
Quando eu aposentei, depois de um tempo, nasceu a Andreia, nos anos 90. Um amigo meu ligou pra cá e disse que iam fazer uma associação e se eu queria participar, eu falei que queria, procurei saber o que estava acontecendo e me falaram que era sobre o amianto, que o amianto era nocivo e que muita gente estava doente. Até ali eu não sabia de nada, ali nasceu a ABREA (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), foi assim começamos a lutar pelo banimento do amianto e para levar as pessoas que estavam doente a se tratar.
Quando a gente começa a reunir, e isso vai ganhado uma dimensão que foge ao controle da empresa, então ela começa a oferecer esses acordos, a época, de cinco, dez até quinze mil reais. Para aqueles que já tivessem algum problema de saúde, um plano de saúde. Então, é importante dizer, eles controlavam os trabalhadores enquanto saudáveis, dentro da fábrica, e a partir do momento que eles não tinham mais vínculos, que eles ficam doentes, a empresa também vai controlar a vida deles através de um plano de saúde onde ela vai monitorar a evolução das doenças.
Ninguém sabia de nada, o pessoal da empresa, o dono da empresa eles já sabiam mas ficaram quietos. O pessoal veio a descobrir quando começou a morrer gente, e o sintoma era o mesmo, de todos, um era mesotelioma o outro câncer de pulmão, que é mesotelioma, asbestose, placas pleurais. Osasco foi uma devasta. E vai morrer muita gente ainda.
Normalmente a contaminação pelo amianto se dá pela inalação das fibra, pequenas exposições podem fazer com que depois de quarenta anos o indivíduo tenha esse tipo de câncer. Então, é um câncer que pode ser tanto no trabalhador quanto quem se contamina pelo contato com o uniforme desse trabalhador. Se ele leva o uniforme com fibras pra casa ele pode contaminar seus familiares.
Foi uma ponta nas costa, ele achava que era mau jeito por carregar peso, quando ele foi para o hospital Sorocabano da Lapa, o médico pegou tirou o raio-x e deu um encaminhamento, disse para procurarmos um hospital grande. Eu o levei para o HC, no pneumologista de lá, Doutor Malheiros. A primeira palavra que ele falou, quando ele viu a tomografia, ele perguntou para o meu marido: “José quantos anos o senhor trabalhou em fábrica de amianto?”.Eu fiquei olhando e falei: “Nunca”. Como você vai se associar a isso? Eu não imaginava que ele iria se contaminar em um loja de materias para construção. Você fala, é seguro. É um absurdo isso pra mim.
O material atinge indistintamente quem trabalhou e quem não trabalhou. Inclusive isso foi cobrado no supremo – “com tantos produtos que são tóxicos por que vocês só brigam com o amianto?”. Porque ele atinge uma população que não foi exposta voluntariamente, que recebe uma carga dessas fibras por quê? Porque o produto está se desfazendo, porque os freios, antigamente, das grandes cidades eram feitos com amianto e tantos outros produtos que ele toma conhecimento, que ele nem sabe que ele está em contato e que pode adoecer da mesma forma que um trabalhador que ficou exposto anos e anos. Não existe um limite seguro.
Embora pareça bastante simples, trabalhou com amianto tem câncer, foi provado. Os trabalhadores encontram muita resistência, encontram muita dificuldade, em fazer valer que na verdade aquela doença foi adquirida no trabalho. Existem poucos colegas que militam na área, ou que têm experiência, ou que conheça muitos casos, então os colegas muitas vezes tem receio em se comprometer com aquela afirmação. Temem que possa haver processos judiciais, privações jurídicas, mas eu creio que do ponto de vista médico, do ponto de vista técnico, se tem exposição, se tem o câncer, mesmo que o tabagismo esteja associado, é uma concausa, é um sinergismo que aumenta o risco. Mas infelizmente nós temos poucos colegas que militam na área.
Existe uma subnotificação primeiro intencional das empresas que pagam acordos extrajudiciais para que esses casos não cheguem a justiça, nem a previdência social, é uma tentativa de inibir e invisibilizar isso.
O único que afirmou foi o doutor Malheiros, o doutor Chang, do IGESP, batia na tecla que era cigarro. Eu dizia “Não é só cigarro que dá Câncer”; “E esse derrame pleural?”, aí ele desconversava. Quando eu levei o laudo para ele ainda deu um sorrisinho na minha cara, tipo assim: “Aí, vai lá que você vai conseguir dinheiro”. Eu não estou interessada em dinheiro, eu quero saber se é amianto. Se for comprovado que foi amianto, vamos acabar com isso.

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  1. Avatar

    Muito boa matéria, esclarecedora, denuncia o que a grande imprensa não tem interesse em mostrar. Continuem e se orgulhem do trabalho pois é um tipo de jornalismo que presta grande serviço as pessoas.

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