Cultura

Quando parei de me preocupar com canalhas: uma caricatura do Brasil


 
A gente sempre fala por aqui dos filmes que estão em cartaz ou que entraram em plataformas de streaming como a NETFLIX, ou mesmo esses de demanda específica que você paga um valor para ter acesso ao filme. Mas uma plataforma que a gente não pode esquecer é o YouTube. No YouTube encontramos filmes mais antigos, que acabaram passando despercebidos pela curadoria de gigantes como a NETFLIX e, também, muitos filmes antigos e clássico que muitas vezes a gente só consegue ver ali. Existe também curtas de muitas pessoas que colocam os seus trabalhos na internet e disponibilizam para o público de forma gratuita e um pouco mais democrática.
 
Na semana passada eu recebi uma mensagem pelo facebook – olha só, por isso eu acho curioso como a gente cria essa relação com o público – eu sempre digo que eu não gosto de fazer críticas de cinema, não tenho embasamento nem repertório para isso, mas eu gosto de fazer diálogos sobre esses filmes e, também, de ouvir o que as pessoas tem a me dizer  pelos comentários. Uma vez  que você compartilha você já promove um debate, já promove uma discussão sobre um filme, seja para concordar, seja para discordar, seja para trazer uma outra leitura.
 
Na semana passada eu recebi um recado do diretor Tiago Vieira, que fez um filme muito interessante e que no ano passado foi muito falado. O filme se chama “Quando deixei de me preocupar com canalhas”; lembro que o UOL destacou esse filme, foi também matéria na Carta Capital, e eu me recordo que eu estava no trabalho e comecei a assistir, era um filme curto de 15 minutos eu assisti os primeiros minutos parei para fazer alguma coisa e não voltei mais. O Tiago assistiu alguns vídeos nossos aqui no Nocaute e falou que esse tem a ver com o nosso perfil. Assisti até o final, como eu disse é um vídeo curto, e é bacana como você volta para esse filme com uma outra perspectiva depois de um ano tão turbulento como foi essa virada de 2016 para 2017 em que parece que todo mundo está falando sobre política e todo mundo tem alguma posição quase fixa sobre esse tema.
 
O filme é um curta metragem inspirado em uma história em quadrinhos do Caco Galhardo publicado na revista piauí em 2008. Ele adaptou essa história em um filme que percorreu diversos festivais ganhando prêmios nas categorias de melhor ator e melhor roteiro no festival de Gramado do ano passado. Esse filme é muito feliz porque  consegue retratar aquela forma caricatural de desenhar o cidadão, nesse caso o cidadão de uma grande cidade como São Paulo, onde a gente vê aquele olho raivoso, aquele sujeito perturbado e bastante irritado transformando-se nessa caricatura. Trazer esses detalhes para uma linguagem de cinema exige um trabalho de percepção e uma certa sensibilidade para você exagerar essa caricatura e não deixar escapar essa verossimilhança com o personagem
 
Esse personagem é interpretado pelo Matheus Nachtergaele, que é muito conhecido, tem muitos fãs, um cara do primeiro escalão dos atores brasileiros. E ele encarna esse cidadão raivoso, aquela pessoa que vai enlouquecendo nessa grande cidade em parte porque ele vivencia aquilo, o estar em trânsito, aquele trânsito caótico que anda em solavancos, ele fica escutando opiniões intransigentes do taxista. E quando lê o jornal ele tem um grande prazer que é xingar, ele xinga o tempo todo, como muitos que conhecemos por aí. É um sujeito que está lendo o jornal mas ele está berrando, está alucinado, ele está com aquele olho que o Caco Galhardo conseguiu emprestar na caricatura e o Tiago conseguiu trazer isso para o filme, mostrar esse cidadão irritadiço que vai de certa forma desenvolver esses transtornos na cidade grande. Algo muito comum do cidadão dito ilustrado é uma certa visão sobre os taxistas, quando ele tem contato com esse sujeito, que tem algumas opiniões divergentes da dele, algumas um pouco intransigentes, o protagonista dá um selo para o taxista que diz que essa pessoa deve ter as opiniões desprezadas, antes mesmo de perceber que ele também tem uma postura de intransigência, ele também tem essa postura de xingar tudo o tempo todo e de se tornar um cidadão raivoso como a gente vê tantas vezes nos comentários de portais.
 
O filme apresenta atores e personagens que a gente vê pelas ruas, e acaba nos ajudando a fazer uma reflexão sobre esse estado irritadiço das coisas. Se nós que queremos tanto transformar as coisas e criar um debate para ir além do lugar comum, de que maneira a gente abandona essa postura raivosa? Na história do Caco Galhardo ele nos dá a entender que a melhor coisa é deixar de ler jornal  e se alienar das notícias para não passar nervoso. Mas será que essa é mesmo a melhor solução? Será que quando a gente nomeia o outro, no caso toda a classe política ou tudo o que é diferente, tudo o que representa um partido diferente do nosso a  gente acaba nomeando esse outro, mas será que essa carga de prazer do personagem não é de alguma forma uma maneira da gente se aliviar e de dizer que não temos nada a ver com isso e de alguma forma estabelecer ali uma soberania moral onde tudo o que nos irrita no noticiário não nos pertencesse? Esse é um filme que em pouco tempo mostra que “tudo aquilo que a gente critica é exatamente tudo aquilo que a gente é”; para lembrar de uma música que fazia sucesso nos anos noventa.
 
Então se você tiver uns quinze minutinhos na sua semana procure dar uma olhada nesse filme do Tiago Vieira no YouTube, ali estão disponíveis tanto o filme como o making of e as entrevistas com os atores. E para lembrar que muita coisa do que a gente perdeu nessa cultura NETFLIX e com o fim das locadoras, podemos reencontrar no YouTube de forma gratuita, uma maneira de aumentar o acesso ao cinema e da divulgação de ideias. Tem muita coisa boa por lá e essa é uma delas.
 
Bom essa foi minha dica da semana, um abraço e até semana que vem.  

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  1. Avatar
    Carlos Adonias says:

    Vou ver o filme, prometo. Mas, por enquanto quero dizer dessa feliz descoberta do Youtube como celeiro de filmes. O problema é a bagunça, tem bons filmes dublados e péssimos legendados, tem bons filmes com má imagem e porcarias em hd. Temos que desprezar muitas obras-primas por imagem ruim ou pela dublagem, ainda que boa.

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